Esse conjunto de gravuras seduz pelas suas múltiplas facetas. Foi qualificado como jogo didático, jogo enciclopédico, jogo edificante, jogo iniciático, jogo lúdico, passatempo para as pessoas comuns…
Composto por cinqüenta estampas numeradas em cifras romanas e arábicas, intituladas num dialeto próximo aos de Veneza e Ferrara, ele está dividido em cinco séries de dez figuras cada. Essas séries são designadas pelas letras E, D, C, B e A. A sucessão das letras, que é oposta à da numeração, estimula o percorrer o conjunto nos dois sentidos.
Qual seria, então, a origem, o sentido e o destino desse “jogo”?
Trata-se, de fato, de um álbum de imagens que precisa ser decifrado. É necessário um conhecimento aprofundado da cultura medieval e humanista para descobrir a chave dessa mensagem desenhada, traduzida em alegorias, símbolos e atributos de diversas origens. A linguagem da Antiguidade pagã, redescoberta no período da criação desse jogo, mistura-se à linguagem cristã da Idade Média.
Muitos jogos desse período consistiam em ensinamentos cuja revelação era reservada àqueles que se dispusessem a trabalhar sobre os temas. Muitos níveis de leitura podiam ser percebidos de acordo com o grau de conhecimento de cada um.
Os quatro significados da Escritura, segundo Dante Alighieri, podem ser aplicados como regras fundamentais do jogo: a primeira é literal, a segunda é alegórica, a terceira moral, a quarta anagógica, ou seja, passagem do literal ao místico. Os habituados a esses exercícios do intelecto descobririam todas as sutilezas ocultas. Isso correspondia aos propósitos dos humanistas que pretendiam utilizar uma linguagem visual para transmitir os conhecimentos.
Vários jogos educativos e edificantes existiam nesse época e alguns deles foram conservados. É provável que o Tarot de Mantegna expresse a visão de um artista com o propósito de traduzir o pensamento de um ou de vários humanistas.
No mesmo espírito do Tarot de Mantegna, grandes conjuntos decorativos de caráter enciclopédico ou edificantes, foram criados nas igrejas e nos palácios. São incontáveis as alegorias, com seus atributos próprios, divisas, emblemas e símbolos. Conhecidos artistas deixaram belos testemunhos: Gioto, que inaugurou esse gênero no início do século 14, com As Virtudes e os Vícios, na Capela da Arena de Pádua, e com as Sete Artes Liberais, na Capela dos Espanhóis de Santa Maria, em Florença. E não faltam exemplos extraordinários entre os quais estão os afrescos do Palácio Schiffanoia, por Borso d’Este (1413–1471); a decoração da Villa Lemmmi, em 1483, por Leonardo da Vinci, com Vênus e suas Sete Ninfas e as Sete Artes Liberais.
O Templo de Malatesta, em Rimini, decorado por volta de 1450 por Agostino di Duccio, Matteo de Pasti e Francesco Laurana, associam as Virtudes, os Profetas, as Sibilas, as Artes liberais e os signos do Zodíaco e dos Planetas. Os baixos-relevos de Duccio estão estilisticamente muito próximos das figuras dos Tarots de Mantegna, pelos panejamentos e movimentos das figuras.
Desde o século 11 eram estabelecidas relações entre os sete Planetas e as sete Virtudes. Dante Alighieri (1265–1321), por sua vez, colocou os Planetas em correspondência com as Artes liberais, o que significa que o saber corresponde ao sistema astrológico.
Marsile Ficin, assim escreveu em seu tratado De Vita: “Do mesmo modo que as virtudes de nossa alma são aplicadas a todos os membros do corpo pelo espírito vital, assim também a virtude da alma do mundo — por meio da quinta-essência, que é ativa no corpo do mundo, tal como um espírito vital — estende-se por todos os seres e suas virtudes penetram principalmente naqueles que mais aspiraram por esse espírito”
Dentre as cinqüenta figuras do Tarot de Mantegna, vinte e duas delas evocam as cartas dos tarôs clássicos, tanto pelos nomes, como pela semelhança iconográfica ou significado. O Imperador, o Papa, as três Virtudes Cardeais (Justiça, Força e Temperança), a Lua e o Sol correspondem aos trunfos (arcanos maiores) de mesmo nome.
O Rei, o Cavaleiro, o Valete têm a ver com as figuras dos naipes (arcanos menores). Misero, Venus, Marte e Saturno lembram a representação do Louco, da Estrela, do Carro, do Eremita. As gravuras da Prima Causa e de Jupiter ligam-se por significados comuns à carta do Mundo no tarô clássico. Por fim, a quarta Virtude cardinal, a Prudência, e as três teologais — Fé, Esperança e Caridade — aparecem no Minchiate de Florença. Podemos ainda acrescentar a todas essa analogias uma iconografia de certas figuras muito próximas à do jogo de tarô executado para a família Visconti, em 1450: o Rei, o Imperador, o Papa e o Valete.
Numa visão de conjunto das cinqüenta cartas do Tarot de Mantegna podemos identificar dois percursos possíveis. Um deles é ascendente, que conduz a criatura humana por degraus sucessivos, de um estado mais inferior (Misero) até Deus (Prima Causa). O outro percurso se efetua pela transmissão do poder divino, etapa por etapa, até o homem. É uma realização, um acesso ao sobrenatural mediante a iniciativa individual e o conhecimento.
1 a 10 — E: A hierarquia da sociedade e a condição humana:
11 a 20 — D: As Musas e Apollo, O Divino Líder:
21 a 30 — C: As artes liberais e as ciências:
31 a 40 — B: Os princípios cósmicos e as sete virtudes:
41 a 50 — A: Os sete planetas e as esferas:
Suite d’Estampes de la Renaissance Italiene dite Tarots de Mantegna
ou Jeu du Gouvernement du Monde au Quatrocento, vers 1465.
Garches-França, Éditions Arnaud Seydoux, 1985.
Posfácio de Laure Beumont-Maillet, Diretora do Dep. Estampas da Biblioteca Nacional da França.
Apresentação de História da Arte por Gisèle Lambert, do Conselho de Estampas da BNF.